25 maio 2006

Victor Hugo, o Brasil e o espiritismo.


É causa de orgulho para os espíritas ter entre seus melhores escritores, no plano espiritual, esse grande espírito de vanguarda que em sua última encarnação foi Victor Hugo. Através da psicografia de alguns médiuns ele vem constantemente nos presenteando com seus romances de alto teor doutrinário.
O próprio conteúdo dos livros já nos isenta de maiores questões quanto à veracidade do autor, isso sem falar da credibilidade dos médiuns. Mesmo assim, lendo recentemente o maravilhoso livro “os miseráveis”, publicado em 1862, ficou realmente muito fácil identificar as idéias cristãs, e o pensamento semelhante ao então recém criado espiritismo, conforme veremos abaixo.
Victor Hugo nasceu em 1802, em Besançon na França, e desde cedo mostrava um talento literário nato. Aos 15 anos participou de um concurso na Academia Francesa de Letras, e segundo Saint-Beuve, o autor cometeu uma imprudência ao indicar a própria idade, pois o trabalho denotava um espírito tão maduro que julgaram tratar-se de alguma mistificação. Mesmo assim foi classificado em nono lugar. Ocupou por muitos anos lugar de destaque na dramaturgia e literatura francesa, mas após o exílio imposto por Napoleão III, uma fonte inesgotável de grandes obras brotou da alma desse gênio, parecendo que o isolamento o fazia entrar em contato com idéias superiores.
Há duas questões importantes na relação de Victor Hugo com o espiritismo. Em primeiro lugar, porque haveria esse autor tão célebre de se dedicar à doutrina dos espíritos? A outra questão diz respeito à língua portuguesa. Como esse amante da França e de sua língua se dignaria a escrever romances em português?
Para responder a primeira pergunta vamos recorrer a trechos do livro “Os miseráveis”, que mostram a plena sintonia do escritor com a proposta crística (recomendamos ao leitor que também leia O último dia de um condenado à morte e O corcunda de Notre-Dame).
1) A crença na existência do mundo espiritual e de sua influência no plano carnal:
- “Nesse momento, pareceu-lhe ouvir uma voz que gritava às suas costas. Jean Valjean! Jean Valjean!
Seus cabelos se arrepiaram; transformou-se como alguém que ouve algo terrível.
Isso mesmo! Acabe com tudo de uma vez! Dizia-lhe a voz. Complete o que começou! Destrua esses castiçais! Apague essas recordações! Esqueça-se do Bispo!...
O suor corria-lhe pela fronte. Seus olhos espantados, não se afastavam dos castiçais. Contudo a voz que falava em seu íntimo ainda não se calara. E continuava – Jean Valjean! Ao seu redor sempre haverá vozes. Elas falarão bem alto, abençoando-o, mas uma única, que ninguém mais haverá de ouvir, o amaldiçoará nas trevas...
A voz, a princípio quase imperceptível, elevando-se do mais obscuro de sua consciência, tornara-se paulatinamente estrondosa e formidável, e ele chegava a ouvi-la distintamente. Parecia-lhe que saíra de si mesmo e falava agora como outra pessoa...
Realmente havia mais alguém, mas não podia ser percebido por olhos humanos.”
Ou Victor Hugo define com precisão a influência do mundo espiritual, ou ele realmente é um gênio e se adianta mais de 100 anos em seu tempo, colocando aqui a teoria das sub-personalidades e da psicossíntese, tão bem desenvolvida pelo Dr. Roberto Assagioli, médico psiquiatra cantado em verso e prosa pela venerável Joana de Angelis.
2) O destino obedece a causas passadas e segue os objetivos traçados pela espiritualidade.
“Outras fatalidades ainda deviam surgir. Seria ainda possível que Napoleão ganhasse aquela batalha? Respondemos que não. Porque? Por causa de Wellington? Por causa de Blücher? Não. Por causa de Deus. Que Bonaparte vencesse Waterloo não era coisa cabível nas leis do século XIX. Preparava-se nova série de fatos nos quais Bonaparte não tinha nenhum papel a representar. A má vontade dos acontecimentos já se tinha anunciado havia muito. Já era tempo do colosso tombar. O excessivo peso desse homem sobre os destinos humanos perturbava o equilíbrio... O sangue ainda quente, tantos cemitérios abertos, tantas mães em lágrimas, são motivos terrivelmente suficientes. Quando a Terra sente-se sobrecarregada, ouvem-se misteriosos gemidos saindo das sombras, ouvidos pelos abismos. Napoleão tinha sido denunciado ao infinito, e sua queda já estava decidida. Tornara-se incômodo a Deus”.
3) Confiança na sabedoria da vida, na proteção divina e no poder do livre-arbítrio.
“– Nunca devemos ter medo de ladrões ou assassinos. São perigos externos e os menores que existem. Temamos a nós mesmos. Os preconceitos é que são os ladrões; os vícios é que são os assassinos. Os grandes perigos estão dentro de nós. Que importância tem aquele que ameaça a nossa vida ou a nossa fortuna? Preocupemo-nos com o que põe em perigo a nossa alma. Não deve existir precaução alguma contra o próximo. O que o próximo faz é permitido por Deus. Quando pressentimos que algum mal vai nos acontecer, limitemo-nos a rezar. Rezemos, não por nós, mas para que o nosso irmão não venha a pecar por nossa causa”.
É importante ressaltar que esses são apenas alguns exemplos que nos traz o livro, pois se fossemos colocar todos os momentos da narrativa que possuem esse teor moralista cristão, tão do gosto do autor, com críticas sociais contumazes, essa não aceitação da hipocrisia da sociedade, teríamos que transcrever o livro.
Quanto à segunda questão, observemos alguns pontos:
1) Recorramos ao livro dos médiuns para responder essa pergunta. Capítulo 19 item 15.

OS MÉDIUNS NAS COMUNICAÇÕES ESPÍRITAS

“Kardec - 15ª Os Espíritos só têm a linguagem do pensamento; não dispõem da linguagem articulada, pelo que só há para eles uma língua. Assim sendo, poderia um Espírito exprimir-se, por via mediúnica, numa língua que jamais falou quando vivo? E, nesse caso, de onde tira as palavras de que se serve?
"Resposta dos espíritos - Acabaste tu mesmo de responder à pergunta que formulaste, dizendo que os Espíritos só têm uma língua, que é a do pensamento. Essa língua todos a compreendem, tanto os homens como os Espíritos. O Espírito errante, quando se dirige ao Espírito encarnado do médium, não lhe fala francês, nem inglês, porém, a língua universal que é a do pensamento. Para exprimir suas idéias numa língua articulada, transmissível, toma as palavras ao vocabulário do médium”.
2) Independente disso havia uma ligação entre Victor Hugo encarnado e o Brasil, conforme veremos abaixo. Pouca gente sabe, mas Victor Hugo conhecia o Brasil, manteve correspondência com alguns letrados, e era tido pelos novos pensadores, pelos abolicionistas como verdadeiro ídolo.
O Século 19 foi a época em que a cultura francesa mais influenciou o Brasil. Após o tratado de paz assinado entre os dois países em 1815, Dom João VI, então Imperador do Brasil, teve a idéia de criar a Academia Brasileira de Letras, e convoca uma missão de artistas para viajar a França, estreitando os laços entre essas nações. Poucos anos depois se iniciava o Romantismo, em oposição ao Classicismo, e que tinha em Victor Hugo uma de suas maiores expressões. A crítica social contumaz, idéias diferentes da época, onde os mais pobres deveriam participar mais da vida social e política, iam cada vez mais dourando a aura de Victor Hugo.
Charles Ribeyrolles, escritor francês, publica o Brasil pitoresco. Na verdade vários escritores franceses se interessaram por nossas terras exuberantes. Antes de acabar o terceiro volume de sua obra, Ribeyrolles desencarna e a classe de escritores brasileiros solicita a Victor Hugo que termine a obra, o que ele faz com prontidão, além de enviar calorosa carta ao povo brasileiro, onde dizia que o Brasil era sua segunda pátria. Nessa época, Victor Hugo está proscrito na ilha de Guernesey na Inglaterra.

Sempre acompanhando os movimentos de classe no Brasil, em 1871, Victor Hugo publica num jornal Belga um artigo parabenizando a criação da Lei do ventre livre, que liberava, a partir de então, todos os recém-nascidos de pais negros. O Imperador Dom Pedro II, através do Visconde do Rio Branco havia promulgado essa lei. Em 1884 os estados brasileiros do Ceará e do Amazonas libertaram seus últimos escravos, fato que também mereceu menção positiva do nosso escritor.
Outro fato pitoresco é o conjunto de poemas dirigidos a Rosita Rosa, publicados em 1865 nas Chansons de rues et de bois. A segunda e a sétima estrofes do poema "Gare!" revelam que a musa vem do Brasil e que ela tem pés pequenos, característica típica das mulheres brasileiras.
Num de seus melhores livros, Les Travailleurs de la mer, encontram-se, também, alusões diretas ao Brasil: "Na cidade do Rio [de] Janeiro, ele tinha visto as mulheres brasileiras colocarem, à noite, em meio aos cabelos, pequenas bolas de gaze, contendo cada uma vaga-lumes (sic), bela mosca de fósforo, o que as deixa penteadas de estrelas".
O próprio imperador Dom Pedro II foi um de seus mais ardentes admiradores e mais fiéis leitores. Ele visitou o poeta em 1877, durante uma de suas estadas em Paris, conforme se lê no livro de Gustave Rivet, Victor Hugo chez lui,
(2) e conforme o registro contido em "Les carnets de Victor Hugo", (3) publicados pela Revue des Deux Mondes. É sempre interessante lembrar o livro de Emanuel / Chico Xavier – Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho - onde o autor nos mostra que Dom Pedro II seria um grande servidor de Jesus – Longinus – que viveria a sua última encarnação na Terra caso se incumbisse bem de sua tarefa iluminada. Com exceção da guerra do Paraguai, nosso Imperador conseguiu mostrar seu brilho espiritual, adquirido as custas de lutas árduas em outras vidas. Podemos até aventar a hipótese que esses dois personagens, amantes do belo e da verdade, teriam se envolvido profundamente com a causa de Ismael, protetor do Brasil, estando Victor Hugo dando continuidade a esse trabalho.
Com base nesses fatos, fica muito fácil entender a ligação desse ilustre gênio da literatura, que hoje contribui na divulgação do consolador prometido. Salve Victor Hugo! Um brasileiro da Gema.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pequena ressalva: O livro "Brasil, coração do mundo, pátria do evangelho" não é de Emmanuel, mas de Humberto de Campos. (Não precisa publicar o comentário, não, apenas acertar o conteúdo)

Cícero