01 novembro 2021

O quão difícil é conversar sobre a morte? Antônio Moreira

A nossa cultura não nos ensinou a falar sobre a morte. E isso nos dificulta no enfrentamento de situações de perda de entes queridos, mesmo sendo essas experiências inevitáveis em nossas vidas. Apesar de sabermos que estamos aqui só de passagem, e que todos nós desencarnaremos um dia, raramente conversamos sobre esse assunto.

Se perguntarmos para alguém qual é o contrário da palavra vida, possivelmente ouviremos que é morte. Mas morte é o contrário de nascimento. E assim, chegamos à conclusão de que não existe o contrário de vida, pois a vida existe sempre. A vida é eterna.


O princípio básico de todas as religiões, é que a vida continua após aquilo que chamamos de morte. A vida não tem fim, pois somos seres eternos, evoluindo sempre. E assim, num processo de crescimento, aprendizagem e transformação permanente, nos aproximamos cada vez mais de Deus.


Outro fator interessante sobre a morte do corpo físico é o fato de que esse acontecimento é muito democrático. Nivela a todos: ricos e pobres, cultos e ignorantes, bons e maus, crentes e descrentes, e nos traz uma percepção de que, no final, somos todos iguais!


Precisamos ampliar a nossa compreensão sobre esse momento de nossas existências, pois a morte é a plenitude de uma vida. Ela encerra um ciclo, no tempo certo. Não no nosso tempo, mas no tempo de Deus. Aliás, somente justificaria pensar que a morte teria sido antes do tempo, se existisse uma única vida. Mas tudo acontece na época  certa, no tempo em que foi planejado, em um momento especial, muito antes da nossa chegada no ventre materno.


É muito comum ouvir das pessoas, sobre o medo de morrer, por não se acharem preparadas ainda para esse momento. E, possivelmente, nunca estaremos preparados, pois sempre teremos pendências a resolver em nossas vidas. Também nos preocupamos e questionamos se uma pessoa que desencarnou estaria bem do lado de lá. E a resposta certa é que sim, muito melhor do que se ainda estivesse aqui, pois a vida verdadeira é no plano espiritual. Em algumas situações  em que uma pessoa se encontrava enferma antes do falecimento, questiona-se se ela estaria doente do outro lado também. Ela  estará se recuperando de forma muito mais rápida, pois agora habita um mundo muito mais evoluído, com um corpo perispiritual muito mais sutil e mais fácil de ser tratado do que a veste física que utilizava tempos atrás.


Outra preocupação que corrói o coração de familiares, acontece nos casos de suicídio. Cabe esclarecer que quem abrevia a própria vida, não quer acabar com a vida, mas com uma dor imensa que tornou-se insuportável. Mas, após perceber que a vida não acaba e ser acolhido no plano espiritual com a amorosidade do Cristo, tudo se transforma. Ninguém é abandonado! E aqueles que passaram por esse processo tão doloroso,  poderão, o mais breve possível, a depender de cada caso, superar a dor de outrora e seguir sua caminhada evolutiva.


Passar pelo processo do luto, todos nós passaremos um dia, nessa vida e/ou em outras. Todavia, a nossa relação com a morte, como a entendemos, como a aceitamos, muda tudo. Ninguém quer passar por esse tipo de dor, isso é certo, mas compreender a vida além dessa encarnação transforma a forma de olhar os fatos. E quando mudamos a forma como olhamos os fatos, os fatos mudam.


Não existe castigo. Aquilo que chamamos de carmas, são necessidades de experienciar dificuldades e dores, para aliviar os sentimentos de culpa por nossos atos infelizes do passado. Assim, após experienciarmos a dor,  e nos desvencilharmos de energias negativas do passado, nos tornaremos mais leves espiritualmente, e poderemos seguir, gratos pela oportunidade, a nossa caminhada rumo a mundos mais elevados.


O significado da palavra reclamar é clamar duas vezesOu seja, é pedir novamente. O Universo e o seu corpo entendem o seu pensamento como a sua vontade. Então, é extremamente necessário que aceitemos as experiências difíceis da vida como elas são. Aconteceu e não tem como mudar essa realidade, mas a vida precisa seguir em frente, apesar da dor.


E para finalizar, se acreditamos que Deus é justo e bom, podemos concluir que não se justifica a tentativa de negociar com Deus, visando não enfrentar dificuldades. Cabe sim, um olhar sincero para dentro de nós, buscando uma compreensão maior e a percepção honesta daquilo que poderia ser transformado para melhor. Aliás, a verdadeira bondade em nossas vidas seria aquela que a fizéssemos sem ser uma obrigação e de forma espontânea. Devemos fazer o bem naturalmente, pois amar o próximo está em nossa essência, nós apenas não nos despertamos para isso ainda.


Antônio Moreira Júnior é terapeuta de Clean Language e PNL


30 outubro 2021

Dores Humanas – um olhar sobre as perdas na Pandemia - Cristiane de Carvalho Neves

Cristiane de Carvalho Neves CRP-09/5022 -

Psicóloga especialista em Terapia Sistêmica Familiar e Intervenções em Luto



Q
uem de nós imaginaria passar por uma pandemia ou por um isolamento social? As nossas famílias enfrentaram algo inusitado e inesperado. Além das diversas perdas, que emocionalmente não devem ser comparadas, as pessoas estiveram consumidas pelo medo devido à alta possibilidade de um ou mais membros se contaminarem, também sentiram medo devido ao agravamento dos sintomas com possibilidade de morte após o contágio do vírus, e o nosso medo foi sendo reforçado diariamente conforme aumentava o número de infectados e mortos em todo o mundo.

A perda é um dos processos mais desorganizadores da vida humana. Não somente a perda de pessoas, mas qualquer processo de mudança de vida pelo fato de implicar o desaparecimento de uma antiga e conhecida condição, com a obrigatória passagem para uma nova e desconhecida fase. Isso descreve exatamente o que passamos. Rotinas bem estabelecidas precisaram ser readequadas às exigências sanitárias com restrições sociais. Com o coronavírus, na condição do isolamento, tudo mudou e repentinamente. Vimos correria aos supermercados e as pessoas desesperadas em busca de álcool em gel 70%, máscaras e outros... Tudo isso, já evidenciando um processo de adaptação à nova realidade que nos estava sendo imposta. Toda aquela realidade que conhecíamos estava sendo desfeita. Cada pessoa foi buscando se reorganizar à sua maneira, de acordo com os seus recursos disponíveis internos e externos, a essa nova condição de sobrevivência. 

Além do mais, Baricca (2008) fala sobre a angústia que nós sentimos quando nos deparamos com a possibilidade de morte. Ela diz que a “angústia de morte significa, portanto, viver a presença imponente de uma ameaça à nossa existência.” [...] “Assim, pensar a própria morte, ou a sua possibilidade, provoca forte sentimento no ser humano, de modo que a angústia desencadeada é transformada, defensivamente, em medos e dificuldades.”

Tivemos uma preocupação com o movimento das nossas famílias durante essa crise que, podemos dizer, ainda atravessamos. A palavra crise na sua etiologia, pressupõe crescimento, oportunidade. Toda crise desestabiliza o que existia e abre uma oportunidade “sagrada” de reinvenção; uma oportunidade para a mudança. Para que a gente possa atravessar uma crise como algo sagrado, a gente precisa se perguntar qual é o meu propósito para hoje? E a família em crise pandêmica pode ser estimulada a enxergar o propósito de reinvenção daquele sistema; repensar o modo de relacionar uns com os outros como uma oportunidade de aproximação e aumentar a intimidade entre os membros da família; corrigir os erros, pedir perdão; propiciar novas formas de interação, o resgate de brincadeiras há tempos deixadas de lado; ou até novas receitas culinárias. 

Considerando os cuidados com as nossas famílias, compreendemos a sua importância como matriz no desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo – um sistema de vínculos afetivos por meio do qual se gera e se desenvolve a organização psíquica do indivíduo. Nesse sentido, esperamos que a família seja um lugar de segurança, cuidado e afeto. Esslinger (2008) corrobora com o conceito que Carter e McGoldrick definiram sobre família dizendo que é um “sistema movendo-se através do tempo, com papéis, funções e relacionamentos insubstituíveis. Esse sistema, por sua vez, tem seus ciclos, os quais podem ser facilitadores ou dificultadores na aceitação de mudanças, dentre elas, as perdas”.

Portanto, as famílias estão amedrontadas. O medo é instintivo e foi necessário na preservação enquanto espécie. O medo que desenvolvemos do novo coronavírus é algo natural, impossível de ser evitado. Esse medo tem dois lados: o positivo está em cuidar da vida, em não se colocar em situações de risco. O negativo ocorre quando o medo causa muito sofrimento, quando impede a continuidade da vida. Porque sentir medo nos serve como instinto de sobrevivência, que nos prepara para a luta ou fuga.  Quando isso acontece, somos protegidos. Só não podemos viver o tempo todo assim como um alarme com defeito, pois teremos um desgaste psíquico. 

Nesse momento de tantas perdas, precisamos compreender que cada pessoa lida com rompimentos afetivos à sua maneira. E precisamos saber respeitar o tempo de processo de luto individual. A mente do enlutado, no primeiro momento, está confusa com todo o desmoronar na vida dele. Dependendo do que falamos ao enlutado, podemos ajudar ou ferir ainda mais. Na verdade, quanto menos falar, melhor. Então, um abraço, um olho no olho, e o principal, apenas dizer “estou aqui com você”, já é o suficiente! Frases como “Agora ele já não sofre mais”; “O tempo cura tudo”; “É a vida, todos vamos morrer”; “Olha, que há pessoas que estão pior”; “Você é jovem, pode se casar novamente/ter outro filho”. Essas frases podem ser inadequadas de imediato e machucar ainda mais.


E
ntretanto, podemos dizer “Sinto muito pelo que está passando”; “Nem posso imaginar o que você está passando”; “Você é uma pessoa muito importante pra mim, pode contar comigo”; “Quer falar? Posso te ouvir”. Lembrando que a pessoa em luto se questiona sobre a capacidade do cuidador em o ajudar verdadeiramente: “Será que posso confiar em você? Será que realmente vai me entender?”

Devemos cuidar para não minimizar as nossas perdas cotidianas. Sofrimento não deve ser comparado. Cada qual sabe o quanto aquela perda lhe faz falta. Talvez, buscar formas de lidar com nossas perdas nesse tempo de pandemia seja o mais interessante, pois todos já passamos ou passaremos por algum tipo de perda significativa em algum momento da vida. As pessoas podem procurar ajuda em grupos de apoio ao luto; na conversa amiga e confiável; como também, buscar ajuda de um profissional de saúde, especialmente, um psicólogo. As pessoas precisam falar sobre o que estão enfrentando ao vivenciar suas perdas, para que possam seguir no curso do seu processo adaptativo do luto.

Referências Bibliográficas:

BARICCA, A. M. Viver e Conviver com HIV/AIDS, In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Kovács, M. J. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Cap. I

ESSLINGER, I. De quem é a vida, afinal? Cuidando dos cuidadores (profissionais e familiares) e do paciente no contexto hospitalar. In: Morte e existência humana: caminhos de cuidados e possibilidades de intervenção. Coord.: Kovács, M. J. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. Cap. IX