02 abril 2020

Fim do homem velho


Quando a ansiedade já me dominava no íntimo, o teu consolo trouxe alívio à minha alma
Salmos 94:19

Vivemos hoje algo muito parecido com o ocorrido antes do nascimento de Jesus. Taylor Caldwell, autora do excelente livro, Médicos de homens e de almas, ao retratar a vida do médico-apóstolo Lucas, nos conta que naquele tempo, todas as religiões esperavam pelo Messias, ansiavam pela chegada do filho do Deus único.
De forma similar, observamos que a maioria das religiões entendem que os tempos são chegados. Algo está no ar.
É indiscutível que, no campo da ciência e tecnologia o ritmo tem sido acelerado. Espera-se que em 2020, o conhecimento dobre a cada 73 dias!
Máquinas fantásticas, trazendo mágica para nossa vida. A informação que percorre o mundo em segundos, a comunicação interpessoal massificada, evolução evidente em tantos aspectos. A grande dificuldade parece estar em sincronizar a velocidade do intelectual com o emocional. Se o reino de Deus está no coração do homem, não deveria esse campo também experimentar grandes mudanças? Não seria, inclusive, o primordial?
Todos desejamos essa mudança de paradigma, onde os tempos esperados, de paz e harmonia, de uma Terra regenerada onde o amor ao próximo será uma realidade, mas poucos nos dispomos a construir esse espaço dentro de nós.
O ano iniciou no compasso de sempre. Vida que seguia sem grandes preocupações com o campo das emoções. Cada um de nós amando os nossos, e com as habituais dificuldades de amar aos “outros próximos”. Um desejo de fazer a solidariedade crescer, a afetividade se expandir, a consciência de si mesmo aumentar, mas na correria do dia a dia, como implementar tudo isso? Ainda mais com toda tecnologia nos convidando a acelerar o ritmo, a correr atrás de tudo. Tenho que fazer, tenho que saber, tenho que correr. Não dá pra parar.
E eis que, inesperadamente e sem nos pedir opinião, chega um novo ser para tomar parte em todo esse frenesi. E a novidade oriunda de um mundo microscópico, como uma avalanche, abala o mundo conhecido por nós de forma ainda mais acelerada que as que estávamos habituados a viver e assistir. E, atrevidamente, começa a ditar regras.
Se é pra acelerar, ele segue acelerado em uma disseminação veloz, maciça, em verdade, assustadora. Se é para reduzir o ritmo, nos obriga a parar tudo. Parar o trabalho, parar a escola, o passeio, a igreja, parar tudo.
A família, antes apartada na correria, agora é convidada a assistir todos juntos, a cenas inacreditáveis nos noticiários da TV. Locais que lembravam formigueiros humanos, agora estão vazios. Os grandes centros do mundo ficaram desertos. Ninguém se aproxima fisicamente de ninguém. A realidade que se impõe à grande família humana é a loucura contemporânea.
Frente ao adoecimento geral, foi indicado a internação familiar compulsória para tratamento de todos nós.  E o hospital, no momento, se chama Lar. Somos chamados a reaprender a arte de relacionar em família, de conversar. Relacionamento comigo mesmo. Relacionamento com o outro. Os desafios de sempre, mas agora, sem muito espaço de manobra.
As reações primitivas de defesa inundam os nossos pensamentos. Medo, aflição, pavor e angústia. Para onde olhamos, os identificamos. São mesmo esses os sentimentos que melhor se coadunam com o momento? Acaso andamos esquecidos de que tudo é harmonia na Criação, andando em perfeito acordo com a vontade Divina?
Poderia esse tratamento coletivo ser iniciado através de um vírus, com potencial letal, que interrompe as atividades do mundo de hora para outra, amedronta pessoas, nações? Parece que a resposta é sim, pode!

Eu vos digo, em verdade, que são chegados os tempos em que todas as coisas hão de ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido para dissipar as trevas, confundir os orgulhosos e glorificar os justos.
 O Evangelho segundo o Espiritismo » Prefácio

Deus é amor. Em um dos menores versos da Bíblia, João Evangelista nos conceitua o Pai da forma mais simples e bonita possível. E a expressão do amor de Deus é a misericórdia. Muitos podem enxergar o fim dos tempos, a destruição do planeta, o expurgo dos maus. Mas a misericórdia divina nos convida a esquecer as multidões e olhar para dentro. É tempo de mudança pessoal, interna e eterna.
É assim que o COVID-19, para muito além da doença, nos traz possibilidades de cura. De cura humana, de transformações profundas, se assim permitirmos. E como avistar a possibilidade de cura, sem gratidão?
Pode parecer estranho agradecer a quem traz tanta dificuldade, mas talvez nos caiba agradecer ao vírus por nos sacodir profundamente, e nos mostrar que somos regidos e dependemos de algo muito maior. Gratidão por nos fazer reconhecer o que temos, e valorizar isso.
Hoje, na maioria, estamos parados em casa e podemos observar o quanto estamos envolvidos e perdidos em nossas preocupações, sem valorizar o simples, o cotidiano comum. É o aprendizado de reconhecer o que realmente importa, o que incorporamos à nossa essência. Agradeçamos por isso. Pelo momento em que, sentindo medo, olhamos para o medo, ouvimos o medo, podemos aprender com ele. Encara-lo. Aprendemos que toda dor importa.
Olhar para a vida, e para morte! E no quanto são complementares e cíclicas. Uma das inúmeras lições que precisamos tirar disso tudo é entender que nos cabe sair dessa situação melhor do que entramos. Tudo isso vai passar. Nós podemos escolher sermos pessoas melhores que cresceram com o processo. Ou não. Tudo está certo.
A convivência com o vírus abre espaço para um tempo de convivência com o outro através do apoio mútuo. Ensina-nos a olhar para nossos valores de alma, e dar a eles espaço no mundo real e a compreender o significado da palavra conexão de um ponto de vista sob o qual jamais fizemos, sugerindo ao mundo estar em uma mesma frequência de pensamentos e emoções, após ver a velocidade vertiginosa com que as coisas acontecem entre seres humanos que estão fisicamente e literalmente conectados. 
O microorganismo capaz de minar tudo o que é  pré-existência vem em auxilio do mundo globalizado, para mostrar caminhos que ajudem a deixar o individualismo, rumo ao coletivo. O que antes era comum hoje é luxo. Visitar familiares, tocar, abraçar, sentar em um restaurante e ficar horas conversando. Mas tudo passa. O ensinamento fica. Devemos amar sempre, e amar profundamente, aproveitando cada oportunidade.
Não pensemos em fim dos tempos, mas no fim do homem velho, que não cabe mais no contexto energético do Planeta.
Paz e luz!

Nenhum comentário: