Vamos falar um pouco sobre verdade e realidade. A morte é a única verdade e certeza desse plano em que vivemos. Nascemos da união do óvulo (Yin, receptivo e feminino), com o espermatozoide (Yang, ativo, masculino). Do encontro dos dois, no espaço Yin, e no tempo Yang temos uma explosão cósmica, no ventre materno. Neste espaço sagrado e tempo único a partir do encontro do Yin/Yang se forma o arcabouço material (Yin) para receber em seguida o Espírito (Shen) que vai dar o aspecto Yang ou seja a individualidade do ser. Neste momento acontece a concepção.
Esse é o início da vida, neste plano, quando essa energia única é dada pelo universo no instante do irromper energético. Quando esta energia termina, esgota-se também a vida que anima o arcabouço terrestre, e temos a morte.
Nossa energia vital começa a ser usada, desde que nascemos, e é fato que, mesmo que tenhamos 70, 90, ou 120 anos, em um determinado momento, todos irão gastar este repositório energético que nos foi dado, e morreremos.
Desde tenra idade, uma criança percebe que este mistério da vida pode levar seus pais, aqueles que são sua referência, quase exclusiva, de vida e de mundo. A partir desta consciência, ele sofre pelo inevitável, e ao não compreender a transitoriedade da vida constrói um mecanismo de defesa, para ludibriar a percepção desta certeza. E como se fosse um “pacote” embrulha este saber e o esconde embaixo do tapete de sua morada. Ele pisa neste carpete muitas vezes ao longo de sua jornada, levanta seus pés evitando pisar nele, como se imaginasse um obstáculo simples. A vida passa, e o medo inconscientemente guardado interfere nas escolhas que precisam ser feitas, nas atitudes e reações para com o meio em que está inserido. O medo se reflete na nossa condição humana, na negativa em encarar de frente, aquilo que está sob nossos pés: a única verdade, a certeza de que vamos passar.
Vivemos como se a morte nunca nos alcançasse, e existimos carregando o grande e pesado fardo do medo da morte, que teimamos em não olhar. Passamos, deste modo, nos escondendo dela, até que inesperadamente, ela nos abana, do leito de um amigo, na figura de um parente próximo, ou expondo seus desígnios para nós mesmos.
Despertamos do torpor e nos damos conta de que tropeçamos no tapete. Caímos, e ao ver o conteúdo do “pacote” que por anos foi alimentado com medo somos consumidos pelo desespero. Atordoados, ficamos sem referência, sem esteio seguro, e sofremos inevitavelmente. A morte nos visita. É a única certeza da vida, verdade absoluta, e não soubemos compreendê-la. Perdemos a oportunidade de viver sabendo que somos finitos, que nossa estrutura, independentemente de qualquer convenção social, acaba, e que em um intervalo definido de tempo deixaremos de existir.
Talvez, se a contemplássemos, poderíamos viver a vida admirando cada momento, e sendo gratos por cada singelo dia. E aceitando a natureza da impermanência, seríamos mais felizes.
A vida acaba quando a nossa energia vital é consumida, e o Yin material se separa do Yang imaterial. Essa é a única certeza da vida. O resto é constituído pelo efêmero entre o nascer e o morrer.
Viva sabendo que vai morrer. Mas não carregue este saber com medo e sofrimento, o tempo todo. Uma vez vi uma charge onde dois amigos conversavam:
- Amigo, você sabe que um dia vamos morrer?
E o outro responde:
- Sim, mas todos os outros, não!
Se vivêssemos com a certeza de que vamos morrer, não teríamos tanto medo dela. E não precisaríamos sofrer e limitar nossas vidas por algo que irá acontecer somente no último dia, no último instante de nossa existência. No caso do medo de perder um ente querido, quem garante que nós não temos uma passagem para esta viagem antes dele?
Neste momento, em que o vírus nos puxa o tapete podemos aproveitar para refletir a respeito desta realidade. Nossa vida vai acabar, e pode ser a qualquer momento, no carro, caminhando, por doença, pelo vírus, ou sei lá quando!! Portanto aproveite o hoje, pois o amanha é uma incógnita, finita.
“Quem morre de medo de morrer está morrendo o tempo todo, do medo de morrer”.
Douglas Morgental é professor da Associação Brasileira de Acupuntura (ABA).
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