07 junho 2020

Um Olhar justo para 2020. João Rocha


Um local que não imaginávamos existir: Província de Hubei, Cidade de Wuhan, China, Dezembro de 2019.
As primeiras notícias, ainda em janeiro, de uma doença que criava problemas respiratórios, causada por um vírus, na china, do outro lado do mundo, não nos chamava tanta atenção. Continuávamos nossas vidas como se nada estivesse acontecendo, afinal, o que uma doença, há milhares de quilômetros de distância, tinha a ver comigo?
Passados cerca de cinco meses, essa pequena estrutura viral, com tamanho entre 100 e 120 nanômetros, só visível ao microscópio eletrônico, abalou fortemente todos os poderes do mundo material, desde as maiores potências mundiais, com seus sistemas financeiros, econômicos, seus poderes bélicos, científicos, seus sistemas de saúde, todos afetados, passando por países menos desenvolvidos ou muito pobres, atingindo os cinco continentes. Na sua face mais dramática, ceifando milhares de vidas e ameaçando outros milhões de seres humanos, com a perda do emprego e o fantasma da fome, com consequências econômicas nunca antes imaginadas. A Pandemia, no primeiro momento, nos deixou a todos atônitos, paralisados, perplexos, sem compreender as razões de tudo isso. Chegou para nós, é uma realidade, materializou-se a impotência humana, perdemos o nosso controle ilusório. Passados esses meses, ainda há muita neblina â nossa frente, mas já podemos ver um pouco mais do significado de tudo isso.
Para tentar entender o que aconteceu, podemos recorrer à Doutrina Espírita, no capítulo das leis naturais. A Lei de Destruição, onde o emérito codificador, Kardec, nos informa que os flagelos destruidores tem por finalidade nos fazer progredir mais depressa, visando a nossa regeneração moral do espirito eterno. Os encaramos como flagelos em razão dos prejuízos que nos causam no momento presente. Se pudéssemos olhar pela ótica da eternidade, nossa avaliação seria outra.
Aquilo que nos causa dificuldade, faz com que possamos usar nossa inteligência e todos os recursos internos e externos que possuímos, para resolver os nossos problemas, se não houver a demanda, não nos movimentamos. Quando nos movimentamos, aprendemos muito sobre nós, sobre os outros e sobre o mundo, acessando potenciais que não supúnhamos possuir.  Essa bagagem adquirida, é o que realmente tem valor e passa a nos pertencer, não é o que fazemos que faz tanta diferença, mas o aprendizado adquirido, que nos transforma do ponto de vista material e espiritual. O desenvolvimento do intelecto, material, melhora a nossa vida social, nos traz mais comodidade, melhora e desenvolve nossas ciências, a medicina, a produção de alimentos, e traz todas as benesses da vida contemporânea. É natural e perceptível quantas conquistas materiais importantes, da humanidade, ocorreram nos últimos 100 anos. A pergunta é, como estamos usando essas conquistas?
A vivência adquirida diante das dificuldades, nos faz avançar também do ponto de vista espiritual, causando nossa transformação moral, que é a capacidade de distinguir o bem do mal. Essa mudança, baseada em princípios universais como a fraternidade, a igualdade, liberdade, o respeito à individualidade, melhora nossas escolhas e cria valores que contribuem para melhorar nossos relacionamentos, nossos sentimentos, a coletividade, construindo um mundo melhor, onde percebo no outro um igual, com direito à liberdade de ser e existir. O desenvolvimento moral é mais lento, menos perceptivo a olhares apressados e ocorre posterior ao material. Esse é o objetivo maior, evoluir espiritualmente. “Assim caminha a humanidade com passos de formiga e sem vontade”, diz o poeta musical. 
Façamos uma análise realista de como estávamos vivendo esse mundo contemporâneo que propiciou o aparecimento da pandemia.
Vejamos, em que se baseia a nossa sociedade atual, no “ser” ou no “ter”? O que realmente tem valor para a maioria de nós?
Qual a razão de estarmos vivendo nesse planeta, nesse momento?
Como lidamos e nos relacionamos com os seres que estão à nossa volta?
Como estamos lidando com o meio ambiente e os recursos naturais que nos sustentam a vida?
Sem dúvida, estamos avançando moral e materialmente como humanidade mas, nossa sociedade está ainda baseada na acumulação do “ter” e do “poder”. O poder econômico, político, religioso, midiático, bélico, da informação, biológico e tantas outras formas de poder. O grande objetivo dos poderes, nesse momento, é ter controle sobre os outros, acumular posses e meios (objetivos e subjetivos) de constranger, de decidir sobre o que o mundo vai consumir, de que forma vamos viver a vida e de que forma a sociedade está estruturada. Fomos, às vezes inconscientemente, criando estruturas com a capacidade de dominar o pensamento, de criar sentimentos inferiores e influenciar as decisões alheias e construir vantagens e domínio para os detentores do poder, ou seja, nossa sociedade está baseada no atendimento dos desejos do EGO adoecido, distorcido, temporário e passageiro. O MEDO é usado como instrumento do controle e é muito perceptível nesse momento..
O objetivo da maioria, a qualquer custo, é estar no topo dessa sociedade, é o “parecer”, não é o “ser”. O EGO distorcido tem por finalidade acumular bens e valores passageiros, da transitoriedade, ele quer ser engrandecido, endeusado, aplaudido, reconhecido. Ele quer sempre estar no topo, ser o mais importante, ter o melhor carro, ter mais visibilidade nas redes sociais, ter mais “likes” nas suas publicações, precisa acreditar que ninguém pode estar acima dele, eis o ORGULHOSO, manifesto na vaidade.
O ególatra quer sempre ter razão, estar sempre certo, nunca reconhecer seu erro, pois isso seria um tipo de morte, o fim do “mundo do ego”. O Egoísta acredita que todas as suas necessidades devem ser atendidas primeiro do que os outros, o meu prato tem que ser o primeiro a estar cheio, depois os outros, se der. Todo o mundo tem que girar em torno de mim, tudo e todos devem me servir, atendendo meus desejos.
Tudo isso alimenta o individualismo e a competição desenfreada, estimulando cada um a olhar só para si, para o seu umbigo, estimulando o culto do “EU”.  Estamos vivendo o “Império do EU”. As nossas estruturas de ensino(escolas) e nosso modo de vida refletem esse diapasão do orgulho e do Ego, como forma de definir o sucesso e existem com o objetivo de construir consumidores e fornecer mão de obra para a continuidade desse modelo, da acumulação material, enquanto uns esbanjam, outros, não têm o que comer e nem onde morar. Acrescenta-se a isso um outra emoção: o MEDO. Medo de que o mundo não esteja a me servir, a meus pés, que eu não posso fraquejar, de que não dou conta, de que não consigo ser o melhor, medo de não estar sempre no topo e portanto não ter valor. Está montado o caldo emocional que sustenta essa “loucura” em que vivemos, o meu “SER INFERIOR”, a minha “Sombra”. Eis a base materialista das nossas motivações individuais que refletem e se sustentam na coletividade.
As nações mais poderosas, com suas lideranças baseadas no modelo antigo que está ruindo, da prepotência, da vaidade, do personalismo, da egolatria, da intolerância, do egocentrismo, do negacionismo da realidade e da ciência, não serão mais as mesmas. A máscara caiu e quebrou-se, não tem como ser recolocada do mesmo jeito, não será mais aceita para essa nova era, ficará patente a falsidade do discurso. A mentira, a hipocrisia e o engodo serão perceptíveis para os que quiserem ver.
Vejamos o nosso planeta, estão se exaurindo os recursos naturais, estamos consumindo
mais do que a natureza é capaz de renovar através dos seus mecanismos perfeitos de reciclagem. Estamos esgotando a água potável, aumentando a poluição do ar que respiramos, os ciclos das matas sendo destruídos, a fauna e a flora não conseguindo manter o seu equilíbrio, o clima entrando em colapso com o aquecimento global. O mesmo modelo irresponsável de produção e acúmulo desenfreado. É a manifestação do acumular inconsequente, sem olhar em volta, egocentrado. Esses meses onde diminuímos nossas atividades diárias, a natureza mostrou o seu poder de regeneração dos recursos naturais.
Essa busca desenfreada pelo que é passageiro, material, nos traz um profundo sentimento de vazio existencial, continua faltando algo, mesmo quando atingimos os aplausos humanos. A vida perde seu sentido de existir e a porta da auto aniquilação pelo suicídio, equivocadamente, passa a ser considerada. Temos hoje a mais alta taxa de desesperança, de depressão e suicídio na história da humanidade. Um suicídio acontece a cada quarenta segundos no mundo. Algo não vai bem nesse reino da ilusão.
 Individual e coletivamente, esse modelo baseado no tripé: Ego distorcido, Orgulho e Medo precisa ser renovado. Chegou o tempo onde esses pilares estão sendo dilapidados, descontruídos, eis o pequeno vírus a nos mostrar um novo momento. É o momento da desestruturação, a fase da transição coletiva, que se dará a partir do indivíduo, que cada um vai fazer de forma diferente. Estamos todos atravessando um deserto, como Moisés guiou o povo hebreu, saindo do cativeiro no Egito, durante quarenta anos, em busca da terra prometida e um novo modo de vida. Precisava que uma geração pudesse passar, perdendo os vícios do cativeiro, do culto ao bezerro de ouro, do jeito velho de ser e agir, para abrir um novo ciclo.
Podemos fazer um paralelo com esses dias de isolamento, voltar para dentro de nós e reconhecer que, do jeito que estava, não dá mais para seguir, precisamos sair do nosso cativeiro material. Mesmo não sabendo o que fazer, para onde seguir, aceitar que você não sabe o caminho e ninguém sabe. Vamos nos permitir ficar nesse vazio. Precisamos perder aquela falsa sensação de poder do ego, de onipresença, de indestrutividade, onde o velho padrão de resposta pronta, agora não funciona mais, nem no coletivo, nem no individual. Nesse momento, as ferramentas e recursos que estávamos utilizando, não estão mais disponíveis, agora os recursos terão que ser encontrados dentro de nós, a solução do outro não serve mais para mim, você terá que viver o momento e construir a sua individuação, viver a sua singularidade de filho de Deus, terá que ser baseado na vida real, na intuição, nos bons sentimentos que vibram dentro de nós, na solidariedade, na fraternidade, na mansuetude, na humildade, na auto responsabilidade. Teremos que olhar para nós e para os outros, na coletividade, na soma dos esforços, do companheirismo, do equilíbrio, do bom senso, da tolerância, ou seja, nos valores da vida eterna, nos valores da espiritualidade superior.
O convite da espiritualidade é para esvaziar a mente imatura, abrir o coração para o que existe de melhor em nós, no campo do sentimento. A sua mente limitada não será mais capaz de resolver esses problemas, pois o edifício da divisão interior precisa ruir, você não ficará mais separado dos seus sentimentos. As paredes externas da separatividade foram abaladas, percebemos que estamos todos interligados e o que afeta um, afeta a todos. Você terá que convidar o seu “Ser Superior” para atuar. Controle a sua mente acelerada e permita que o Deus de dentro possa falar, manifestando a sua luz. Muitos ainda recalcitram contra o que há, não adianta negar com teorias conspiracionistas, as mais estapafúrdias, desconexas da realidade, procurando culpados, acreditando que você não tem responsabilidade com o que está acontecendo, você contribuiu e negando, continua criando separação e dor. Nessa volta para casa, entenda que o poder vem de Deus, aceite as novas condições, “não recalcitres contra os aguilhões”, disse Jesus a Saulo na entrada de Damasco. Faça a verdadeira entrega a Deus na sua vida, solte-se, entregue-se e uma nova identidade, uma nova vida surgirá.
Apesar da nossa condição temporária, ser a de espíritos encarnados, em evolução, ainda imperfeitos, a perfeição é o fim último de todos os espíritos, mas cada um decidirá como quer caminhar, em qual momento e com que velocidade quer evoluir. Para que lado você quer contribuir? A decisão é sua. Assim como criamos essa pandemia a partir dos nossos sentimentos inferiores, do egoísmo, do orgulho e ligados e estimulados pelo medo, podemos criar um novo mundo exterior, a partir da nossa bondade interior, somos co-criadores da nossa própria experiência. Aquele estado que existe dentro, positivo ou negativo, virá para fora.
Aproveite essa parada obrigatória, saia da vontade de duelar, desista de ter razão, todo conflito que você faz para fora, contra alguém, ele é primeiro com você mesmo, é uma parte sua que você não gosta, mas não quer reconhecer e aponta para o outro. Pare com os ataques das redes sociais e perceba onde você pode ser melhor, não perfeito, apenas a sua melhor versão para esse momento, para o agora. Alinhe o seu EGO ao seu Ser Superior. Crie um “Eu Observador” que possa ver você atuando, entrando em contato com seus sentimentos e descubra suas motivações em cada ação. Não se julgue, não se condene, apenas aceite a sua condição momentânea, isso trará mais leveza, mais alegria para viver o momento presente, pois a vida é sempre um presente. Dê um Bem Vindo a 2020 em pleno junho. A festa da transformação está só começando.

João Rocha é odontólogo, tem formação em Pathwork, e é trabalhador da Comunidade Espírita Ramatís em Goiânia

3 comentários:

Unknown disse...

Gostei muito..Bastante abrangente e esclarecedor sobre o início e a atual situação desta pandemia.

Unknown disse...

Excelente reflexão. Nos remete a pensar sobre a visão dualista da vida, da ilusão do bem e do mal e da necessidade de nos responsabilizarmos pelo nosso estar presentes a partir da compreensão do nível egocêntrico de nosso existir, do medo, do orgulho e da vaidade, que nos impedem de "ter ciência" de estarmos de passagem neste plano existencial. Estamos todos envolvidos numa grande aprendizagem, coletiva e individual.

Loriana Rocha disse...

Texto excelente, tocou e representou em palavras o que meus pensamentos e sentimentos dizem. Essa é a verdade e esse caminho do novo que se apresenta, que possamos colocar o que já sabemos como agir guiados pelo coração não mais pelo cérebro. Vou ler de novo....💚