21 março 2010

A saga heróica dos desbravadores do bem - Dr. Vitor Ronaldo.




DIÁLOGO OPORTUNO ENTRE MANOEL P. DE MIRANDA E O "ESPÍRITO LÚCIDO E GRAVE" IDENTIFICADO COMO "RESPEITÁVEL TRABALHADOR DE JESUS"

(Artigo publicado na Revista Internacional de Espiritismo de fevereiro de 2010)

Todo culto ao Bem, que homenageia o Senhor da Vida, pouco importa a denominação ou a maneira como expressa os seus sentimentos, recebe apoio do Excelso Pai...”. (1)

Não é incomum, ao revisarmos a instigante história das descobertas em geral, identificarmos a presença de ocorrências deploráveis, em face dos desvirtuamentos posteriores daquilo a que se propuseram os grandes desbravadores. Quase sempre o preço pago por eles é o desapontamento com os pretensos legatários da herança intelectiva. Assim tem acontecido em vários campos do conhecimento. Os exemplos se repetem, tanto na área científica quanto no âmbito das revelações religiosas.

Recordemos o gênio criativo de Santos Dumont, cognominado o “Pai da Aviação”. O seu intento era o de utilizar as aeronaves para reduzir distâncias e aproximar os povos. No entanto, ao perceber que a sua invenção passara a ser utilizada como arma de destruição, o desapontamento levou-o ao ato extremo do suicídio.

Jesus, o Cristo de Deus, visitou-nos há dois mil anos para divulgar a Boa Nova, cuja finalidade é estimular as criaturas ao cumprimento do bem e, assim, apressar a evolução da raça humana. O que fizeram os seus pretensos seguidores? Desvirtuaram os ensinamentos evangélicos e os adaptaram aos propósitos infelizes de domínio e riqueza; multiplicaram-se as seitas “cristãs”; e, até hoje, inúmeras confissões religiosas disputam a primazia e se digladiam em nome do Príncipe da Paz.

Pois bem. Conhecemos de perto o exemplo do Dr. José Lacerda de Azevedo, dedicado pesquisador espírita brasileiro, responsável pela ordenação de um conjunto de procedimentos magnéticos, denominado Apometria. A sua pesquisa sistemática mostrou-se de enorme utilidade no campo da mediunidade socorrista, descortinando novos horizontes à medicina do espírito. Todavia, o que tem acontecido com a técnica alvissareira operacionalizada pelo distinto médico espírita? Adulteração e emprego indevido por parte de alguns, senão vejamos. Poucos anos após a desencarnação do respeitável médico, deparamo-nos com uma enxurrada de propostas fantasiosas e outros desvios da técnica apométrica. Uns apelaram para interpolações místicas de todo jaez, outros a inundaram de fantasias excêntricas, além de a propagarem indevidamente na conta de panacéia capaz de solucionar os problemas magnos da dor humana, a custa de artifícios teatrais e de ameaças contundentes aos espíritos obsessores. Contudo, o nosso desapontamento decorre do seu emprego sem nenhuma vinculação com os postulados evangélicos. Não foi assim que o honrado desbravador a idealizara. Ainda bem que expressivo contingente de espíritas instruídos e sinceros optou pela manutenção dos critérios éticos inicialmente formulados, conciliando harmonicamente as técnicas em questão com os procedimentos clássicos das sessões desobsessivas.

Ainda antes de o Dr. Lacerda desencarnar, mantivemos demoradas conversações elucidativas, e percebi, desde aquela época, a compreensível preocupação dele com a utilização indevida da metodologia. Portanto, não é sem motivo a defesa que fazemos do saudoso médico gaúcho, pois conhecemos de perto a sua vocação de pesquisador espírita bem intencionado ao lado do seu comprometimento moral com a causa kardequiana.

A propósito, gostaríamos de levar ao conhecimento dos leitores a significativa abordagem grafada no capítulo quinze da obra “Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos” (LEAL), psicografada por Divaldo Pereira Franco. Atentem para a semelhança entre o que temos escrito a respeito do Dr. Lacerda e o que se encontra publicado no capítulo referido, da obra psicografada pelo devotado médium baiano. O preclaro espírito de Manoel Philomeno de Miranda, conhecido pelos estudos avançados no vastíssimo capítulo das influenciações espirituais negativas, visitou certa instituição espírita, onde se multiplicavam divergências doutrinárias observadas no exercício da prática mediúnica. Um dos grupos auto-intitulado de “modernista” lançava mãos de “... recursos tidos como científicos, superiores aos métodos da doutrinação convencional, pelo diálogo afetuoso e esclarecedor com os comunicantes... presunçosos, acreditavam possuir o poder para enfrentar os desencarnados de todo jaez... por ignorar o esforço dos seus pioneiros e daqueles que obtiveram resultados positivos na sua aplicação. ” (2)

O tal grupo, a nosso ver, era formado por integrantes descompromissados com a essência do Espiritismo, os quais, por tal motivo, mostravam-se deslumbrados com o novo método, para eles, uma espécie de panacéia universal. De mais a mais, em se tratando de uma instituição espírita, não há como se admitir a existência de uma técnica terapêutica que se sobreponha ao diálogo amorável e respeitoso para com os obsessores. Motivados ainda por invigilante entusiasmo e inaceitável desconhecimento das agruras defluentes da Lei de Causa e Efeito, excediam-se nas tentativas de curas instantâneas de obsessões, por vezes, seculares, a demonstrar o equívoco da ignorância pretensiosa.

Pois bem. Atentemos, de agora em diante, para as observações colhidas por Manoel P. de Miranda, no decorrer da sessão mediúnica, dita de assistência aos necessitados, em virtude da importância de tais registros, em especial, para os participantes de grupos mediúnicos que se utilizam da Apometria, como simples instrumento de auxílio.

Nesse comenos, Petitinga chamou-me atenção para a presença de um Espírito lúcido e grave, de semblante preocupado, que acompanhava algumas pantomimas que nada tinham a ver com as técnicas que ele desenvolvera em favor da atividade mediúnica” (3). Diante do quadro aberrante, imagine-se a desolação vivenciada pelo “Espírito lúcido e grave”, que ali, entristecido, assistia ao emprego desvirtuado das técnicas que ele próprio projetara em favor da atividade mediúnica. Foi quando o venerável Mentor José de Petitinga interveio, explicando ao nosso Miranda: “Trata-se de respeitável trabalhador de Jesus, que muito se esforçou por contribuir em favor dos alienados mentais, dos obsessos e dos enfermos em geral. Dedicando-se com afinco e zelo à observação dos fenômenos mediúnicos e de seus efeitos, elaborou um programa edificante e saudável para auxiliar o próximo, seja encarnado ou não, jamais se afastando dos postulados espíritas que o conduziram até esse momento.” (4). Acercando-se, então, do Servidor de Jesus, Manoel Philomeno apresentou-se humildemente, sendo correspondido com afetuosa saudação. Em prosseguimento, o lúcido seguidor do Cristo prestou-lhe as informações que se seguem: O Espiritismo é doutrina dinâmica, portadora de extraordinários recursos ainda não totalmente desvelados, em razão da falta de oportunidade e de demonstrações no campo científico, para serem absorvidos. Em razão disso, são válidas as experiências que visam a contribuir em favor do progresso das criaturas e da atualização dos seus notáveis procedimentos ante as modernas conquistas da ciência e da tecnologia, capazes de demonstrar a sua autenticidade” (5).

Os espíritas estudiosos estão cientes da vastidão de conhecimentos a serem garimpados progressivamente no contexto científico da Doutrina. Estamos apenas ensaiando os primeiros passos nesse universo estimulante e desafiador. Em se tratando de Ciência de observação, como definiu Allan Kardec, o Espiritismo sofrerá acréscimos constantes em seu aspecto experimental, de modo que a ciência da espiritualidade aplicada à saúde integral assumirá posição de destaque no binômio Medicina/Espiritualidade. Então, a digna entidade espiritual, deixando transparecer a sua condição de investigador munido de inquestionáveis dotes morais, acrescentou: “... o nosso propósito é o de contribuir para uma fusão de técnicas que facilitem a libertação do obsidiado, ao tempo em que seja esclarecido o seu adversário, denominado obsessor, sem qualquer conflito com o pensamento kardequiano.” (6)

O respeitável cientista espiritual prosseguiu, com outras reflexões de altíssima envergadura doutrinária. Era conhecedor dos meandros da mediunidade e demonstrava desenvoltura ao examinar com o máximo rigor pedagógico detalhes referentes ao comportamento mediúnico insatisfatório. Foi claro e objetivo ao insistir na necessidade de melhor conhecimento das leis dos fluidos e da boa formação moral dos esclarecedores dispostos ao manejo da técnica. Por fim, sentenciou, com elevado sentimento de esperança: Embora os tropeços naturais que toda idéia nova experimenta, confiamos que, no futuro, os companheiros realmente interessados no Bem, conforme expressivo número que já existe e se encontra empenhado na fusão das técnicas do amor com as decorrentes das experiências do laboratório mediúnico, cooperem juntos, sem disputas nem rancores, sem acusações indébitas nem destaques de presunção, em homenagem a Jesus, o Paradigma excelso para todos nós.” (7)

Como vimos, a significativa reportagem de Manoel P. de Miranda nos convida ao exercício de reflexões sensatas e judiciosas. Trata-se de uma narrativa honesta e despida de preconceitos. Revela a desilusão do “Espírito lúcido e grave”, que, na condição de desbravador do bem, se entristece com as distorções sofridas pela técnica que ele desenvolvera no âmbito do Espiritismo experimental. É certo que reconhecemos o preço injusto pago pelos desbravadores do bem, todavia, felicitamo-nos com o empenho daqueles dispostos a resgatarem os aspectos positivos das pesquisas espíritas levadas a cabo no Brasil. Ao nos reportarmos particularmente ao emprego da Apometria nos moldes evangélicos, depositamos esperanças ilimitadas em seu futuro promissor, como instrumento útil à investigação percuciente dos transtornos complexos de ordem espirituais. Assim sendo, firmamos respeitosamente o nosso apelo fraterno: sirvamos com fidelidade ao Senhor Jesus e aos ideais kardequianos, despojados de presunções, implicâncias e preconceitos, pois nada justifica o clima de animosidade entre adeptos de uma mesma doutrina, quando o desejo da maioria é colaborar para o progresso da coletividade humana.

Bibliografia:

(1) FRANCO, Divaldo P.; MIRANDA, Manoel P. Transtornos Psiquiátricos e Obsessivos. 1ª edição. Salvador: LEAL, 2008, cap. 15, p. 221.

(2) Idem, p. 222

(3) Ibidem, p. 222

(4) Ibidem, p. 223

(5) Ibidem, p. 224

(6) Ibidem, p. 225

(7) Ibidem, p. 226

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